O sintoma pela causa

Texto do professor Flávio Brayner (UFPE), publicado no Jornal do Commercio (Recife, 18 de julho de 2017):

Aquilo que os especialistas chamam de “crise da educação escolar” não é algo completamente perceptível pelos não-especialistas: aqueles que têm filhos na escola percebem o desconforto causado pelo “excesso de conteúdos”, o estresse dos exames, o desinteresse dos alunos, o tradicionalismo da sala de aula, o tédio da relação pedagógica centrada na “aula”, o desencontro entre conteúdos de aprendizagem e o mundo da vida frequentado pelos jovens. São apenas os sintomas de algo bem mais profundo e mais grave e nós tomamos estes sinais superficiais como se fossem a essência do mal pedagógico. Com um diagnóstico “sintomatológico” como este, não devemos esperar “soluções” muito adequadas! E isto está claro nas “reformas” que o MEC vem entronizando no Fundamental e no Médio. Quer dizer: a crença de que é nos conteúdos, na formação do professor ou na introdução de “novas tecnologias” que reside a solução do nó educacional.

A educação supõe que duas gerações se encontram no mundo no mesmo momento, sendo que uma delas está aqui há mais tempo e tem obrigação de introduzir os que chegam nos mistérios da cultura. Assim, o que está em jogo neste encontro em que as pessoas nascem no e para o mundo, é a tentativa de assegurar a perenidade do mundo, que ele não desabe com a irrupção dos mais novos, nem que os novos sejam destruídos por um mundo que desconhecem.

Mas aconteceu algo em nossa “modernidade” que atingiu esta relação: em primeiro lugar, não dispomos mais das balizas de que dispúnhamos para nos orientar (a tradição, a religião, a autoridade dos mais velhos), o que gerou profundos arranhões na autoridade dos pais e professores; depois, o acesso aos mistérios da cultura foi franqueado aos jovens (hoje um menino de 12 anos sabe mais sobre sexo ou violência que um garoto de minha geração), atingindo a distinção entre vida infantil e vida adulta; em terceiro, a escola que era o lugar que assegurava a passagem do mundo familiar para o mundo público, garantindo certa estabilidade nesta “introdução ao mundo”, não pode mais contar nem com famílias estruturadas (boa parte delas descompostas e recompostas, o que agrava a questão da “autoridade”) nem com uma cidadania como expressão de uma vontade política consciente. A escola ficou só! E ao ficar só, tornou-se objeto de um ataque sistemático e vai virar um lugar de encontro e de consumo (conheço escolas no interior de shoppings!), onde não se exigirá mais sacrifício ou responsabilidade, disciplina ou aplicação de seus alunos.

É por isso que os currículos podem agora ser “flexibilizados”!

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