Situação atual na Síria
Uma avaliação interessante sobre o atual estágio da guerra civil síria feita por Lourival Sant´Anna (Estado de São Paulo, 25 de fevereiro), mas que só surpreende quem nada sabia sobre esse conflito além daquilo que a mídia liberal divulgava:
Após quase sete anos, a guerra civil
acabou na Síria. Deu lugar a uma guerra entre potências regionais e
globais. Os combates envolvem Rússia, EUA, Turquia, Irã, Israel, curdos,
árabes seculares, Estado Islâmico, Al-Qaeda e Hezbollah, além do regime
sírio.
A nova dinâmica do conflito envolve
realinhamentos espetaculares. Na terça-feira, a guerrilha curda Unidades
de Proteção Popular (YPG) pediu a intervenção do regime sírio para
conter o avanço das forças turcas sobre a região de Afrin, de maioria
curda, no norte da Síria.
No mesmo dia, o regime deslocou de Idlib, no noroeste, milícias xiitas patrocinadas pelo Irã. Recebidas por fogo de artilharia turca, elas conseguiram avançar até a cidade de Afrin. A TV síria exibiu imagens de moradores na praça principal, celebrando com cartazes do ditador sírio, Bashar Assad, e do líder curdo Abdullah Ocalan, condenado à prisão perpétua na Turquia por sedição.
Forças pró-Assad chegam à cidade de Afrin, no norte da Síria, para combater os turcos em território curdo. |
A YPG lidera as Forças de Defesa Democráticas (SDF), frente rebelde apoiada pelos EUA, composta também por guerrilheiros árabes seculares. Foi a primeira vez, nesses sete anos, que os americanos, os curdos e os rebeldes árabes estiveram do mesmo lado das ditaduras síria e iraniana.
Turquia solicitou no mês passado à Rússia
autorização para invadir a Síria, no âmbito de sua operação
sarcasticamente intitulada Ramo de Oliveira. Os russos propuseram à YPG
que aceitasse a entrada das forças pró-sírias na região de Afrin. Em
troca, impediriam a incursão turca.
A YPG recusou. Os russos, então, deixaram
os turcos entrar. Sob cerco, os curdos pediram água. A condição síria
para intervir foi assumir o controle da região. Para os curdos, ameaças
existenciais são algo familiar. Escolhem rapidamente de que lado ficar.
O objetivo da operação militar Ramo de
Oliveira é evitar a formação de um corredor curdo entre o norte da Síria
e o sudeste da Turquia. Os russos, que controlam o espaço aéreo sírio,
haviam concordado com a intervenção turca, desde que fosse para causar
uma divisão na Hayat Tahrir al-Sham (Organização para a Libertação do
Levante), frente jihadista comandada pela Al-Qaeda.
Na qualidade de patrocinadora do grupo, a
Turquia poderia isolar as células moderadas extremistas, para que essas
fossem aniquiladas pelas milícias xiitas pró-Síria com apoio russo.
Esse era o plano. Entretanto, a prioridade turca é eliminar os curdos,
não seus antigos ou atuais aliados islâmicos.
Os americanos vinham sugerindo aos curdos
que firmassem um pacto com o regime sírio, tendo os russos como
fiadores. Isso porque a defesa de Afrin da ameaça turca representa uma
distração do objetivo americano: empregar a SDF para eliminar o Estado
Islâmico (EI) na Síria. Dos 30 mil combatentes da SDF, 20 mil são
curdos. Parte deles foi deslocada do combate contra o EI, em Deir
es-Zour, nordeste da Síria, para Afrin.
Tanto para curdos quanto para árabes
seculares é desconcertante ceder território ao regime sírio. Afinal,
Afrin é uma região curda. E o Exército Sírio Livre, que reúne os árabes
seculares, foi formado para derrubar Assad.
A Rússia quer manter no poder Assad, seu
aliado. O Irã, em sua rivalidade com a Arábia Saudita, quer consolidar
sua projeção no Oriente Médio – já ampliada graças à introdução da
democracia no Iraque, de maioria xiita, com a invasão americana de 2003;
e com o poder exercido pelo Hezbollah, do qual é patrocinador, no
Líbano. Israel tem se envolvido cada vez mais, buscando reduzir a
presença iraniana e evitando a transferência de armas do Irã para o
Hezbollah, com quem travou uma guerra em 2006.
Um ataque americano contra um comboio
pró-sírio em Deir es-Zour matou dezenas de mercenários russos (a Rússia
evita usar tropas regulares na região). Além de erradicar o EI, os EUA
gostariam de ver a saída de Assad, ainda que o regime se mantivesse. Mas
não é nessa direção que o vento está soprando.
Um adendo, nos últimos dias tem-se
falado muito sobre os combates em Ghutta Oriental, uma região próxima a
Damasco, e as forças do governo sírio estão sendo retratadas da pior
maneira possível, como se numa guerra não existissem mortes e como se a
própria situação em Ghutta não fosse absurda; vejam uma comparação que
explica tudo:
Imagine: the situation in London looks something like this. A gaggle of hostile nations have sent in arms and fighters -- for your own good, some of them say. They attacked your airport. They are dug into that East Ghouta pocket. They shell you. What should your government do? pic.twitter.com/cptOKvS3jH— Peri Hankey (@PeriHankey) 22 de fevereiro de 2018
Os seguintes grupos islamitas, sem conexão com a população local, controlam Ghutta Oriental:
- Ahrar al-Sham
- Hayat Tahrir al-Sham
- Faylaq al-Rahman
- Jaysh al-Islam
Para saber mais sobre cada um deles deem uma olhada aqui.
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