Sobre o ensino a distância

Artigo do Prof. Flávio Brayner, publicado no Jornal do Commercio de Recife (26 de maio de 2020 - foram feitas adaptações de estilo):

Já era esperado que, mais cedo ou mais tarde, a pandemia também se transformasse em motivo para mexer na escola. Ela vem sendo atacada em todos os flancos: conteudística, afastada da realidade ("realidade" quer dizer "mercado" e "empregabilidade"), conservadora, autoritária, enciclopedista, teórica e abstrata demais, enfadonha e, finalmente, distribuindo um saber inútil..., e uma das "soluções" é investir em tecnologia educacional e isto numa modalidade especial, o "Ensino a Distância" (EAD)! Reconheço, claro, que não poderemos, doravante, abrir mão dos imensos recursos que a tecnologia nos proporciona. Aliás, já nos anos 60, a Igreja Católica criou um modelo de ensino a distância (MEB), opondo-se ao MCP de Arraes, que utilizava o rádio como meio para que as aulas chegassem aos alunos (adultos analfabetos do interior), que ouviam as aulas em uma sala e eram acompanhados por um(a) monitor(a), ou seja, havia um encontro físico, presencial (neste momento impossível) numa sala improvisada.

Mas, do que o Ensino "a Distância" deve ficar realmente "distante"? Receio que ele deve ficar distante da... educação! Ensino, instrução, formação, educação são conceitos muito diferentes uns dos outros, e quando falamos de "educação" nós estamos nos referindo a algo que diz respeito a processos de subjetivação: predicados que dispomos para nos tornarmos minimamente conscientes (do mundo, dos outros, de nós mesmos) e donos de nosso nariz (autonomia subjetiva). Isto soa "humanista" demais, mas o fato é que a insistência dos empresários da educação em manter o "Ensino a Distância", mesmo depois da crise atual, não é apenas um recurso para contornar as dificuldades criadas pela pandemia: é a oportunidade de implantar definitivamente um projeto de baixo custo (sem escolas físicas), "eficiente" (a mesma aula repetida incontáveis vezes sem nenhuma preocupação com os ritmos individuais de aprendizagem dos milhares de alunos) e, claro, um "professor" mal pago (sem contrato, sem deslocamento, sem contato físico, sem greve, sem alunos - pois serão "assinantes" -, sem colegas, sem problema de disciplina, sem absenteísmo, sem licenças). Que filão! Um Admirável Mundo Novo Pedagógico está começando: aquele em que tomaremos distância uns dos outros, estes outros tão essenciais com sua presença em nosso processo de singularização.

Ai! Paulo Freire: a educação não transformará o mundo; a educação enriquecerá os empresários da educação. São os empresários da educação que transformarão o mundo, produzindo almas desarmadas.