Professor: elogio da transmissão

Texto do Prof. Flávio Brayner (publicado no Jornal do Commercio de Recife, em 22 de outubro de 2019):

Certa vez deparei-me com a expressão "Les Houssards de la République" referindo-se aos professores primários da Terceira República Francesa (1871-1940): houssards eram uma divisão do exército húngaro que usava uma comprida capa negra sobre os ombros, como os professores franceses. A denominação referia-se à importância que estes profissionais tinham na construção e na garantia da ordem republicana recém fundada: aos professores incumbia a formação do "povo" como entidade política e fonte da legitimidade. E esta formação passava pela "transmissão" de um conhecimento herdado das gerações anteriores: era esta noção de herança que supostamente assegurava a continuidade (ou ruptura, afinal, rompe-se com o que se herda!) das instituições. Aqui, todo o processo pedagógico centrava-se na figura "autoritária" do professor. Mas, como fazer, depois de Piaget ou de Dewey, o "elogio da transmissão"?

Nós somos a primeira ou segunda geração de professores que se recusa (teoricamente!) a "transmitir" (a transmissão não se resume ao conhecimento) e é curioso que os "teóricos" de tal recusa venham da cultura francesa! Exemplos: Descartes foi o primeiro, colocando em dúvida tudo o que havia recebido da sua formação jesuítica e confiando apenas na própria razão como critério de condução da vida. Rousseau (que era suíço) foi o segundo, retirando Emílio (o mais famoso "educando" moderno!) do social e deixando que seu preceptor só interviesse em função da curiosidade dele: estava inaugurada a "pedagogia centrada no aluno". Pierre Bourdieu, mais recentemente, foi o terceiro: enxergando na escola um lugar de "violência simbólica", o sociólogo viu na educação escolar e seu conteúdo, a "reprodução" da sociedade de classes e uma violência soft na transmissão de valores dominantes (a noção de "educação bancária" em Paulo Freire também viu na transmissão um ato de "depósito" incompatível com uma educação democrática e dialogal).

Claro, ninguém aprende apenas porque o professor ensina ou transmite, e nenhuma transmissão assegura a uniformidade da recepção, que será sempre plural e individual: o resultado é o fracasso da ideia de formação humana e a crença (ingênua!) num "aprender fazendo" (de novo na moda) em que nem o professor (transmissor ou tutor) nem o aluno ("construtor do seu próprio saber") têm mais, vamos lá... protagonismo: o homem deixa de ser a medida de todas as coisas e as exigências do mercado globalizado tomam a dianteira - educação como "habilitação". Quem é o professor nesse contexto?

Achei esse último parágrafo mal construído, mas, de qualquer forma, dá para se identificar claramento o que o autor questiona.

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