Carta a um jovem professor
Texto de Flávio Brayner publicado no Jornal do Commercio (Recife, 8 de setembro de 2020):
Franz Kappus, um jovem de vinte anos, me pergunta “o que devo fazer para ser um bom professor”? Eis o que lhe respondi:
Franz Kappus, um jovem de vinte anos, me pergunta “o que devo fazer para ser um bom professor”? Eis o que lhe respondi:
“Caro Franz,
Comece por abandonar a ideia de ‘bom’ professor: você nunca saberá se é ou se foi. Ser apenas ‘Professor’ já será mais do que suficiente e te trará responsabilidades e dificuldades às vezes insuperáveis. Você vai se colocar deliberadamente numa encruzilhada e nas suas costas pesará o fardo de ser um ‘Mensageiro’, trazer a experiência anterior dos homens e esperar que as novas gerações saibam recebê-la e dignificá-la, mas nem sempre haverá a coincidência entre aquilo que você quer e precisa ensinar e aquilo que eles querem e precisam aprender: vai sofrer com isso! Prepara-te durante anos para compreender o sentido daquela experiência humana que nos antecede e poder falar dela com propriedade, quer dizer, como se fosse ‘própria’! Você vai precisar falar deste tema que ninguém decifrou ou compreendeu inteiramente: o Homem. Vai se deparar com o fato de ser responsável pela formação de homens sem saber exatamente o que significa isto e, pior, nunca saberá se sua tarefa foi cumprida, até porque formar um Homem é muito diferente de fabricar um objeto – cujo ‘resultado’ é palpável -, e nunca dependerá só de você. Mas deixe seu registro na alma de cada um deles: é justamente aqui onde você saberá a diferença entre ser ‘professor’ e ser ‘educador’: o primeiro pode ver resultados (a aprendizagem de uma equação por seus alunos, por exemplo), o segundo só pode ver e lançar sinais. Se optar por ser, além de professor, Educador, vai ter de se contentar com esses sinais: estimule-os e faça com que eles se transformem em Existência, que é mais do que simples Vida. A Existência envolve projetos, o que ainda não aconteceu, o que podemos esperar. Teus alunos te dirão, muito mais tarde, num eventual encontro, no quê aqueles sinais se transformaram.
Comece por abandonar a ideia de ‘bom’ professor: você nunca saberá se é ou se foi. Ser apenas ‘Professor’ já será mais do que suficiente e te trará responsabilidades e dificuldades às vezes insuperáveis. Você vai se colocar deliberadamente numa encruzilhada e nas suas costas pesará o fardo de ser um ‘Mensageiro’, trazer a experiência anterior dos homens e esperar que as novas gerações saibam recebê-la e dignificá-la, mas nem sempre haverá a coincidência entre aquilo que você quer e precisa ensinar e aquilo que eles querem e precisam aprender: vai sofrer com isso! Prepara-te durante anos para compreender o sentido daquela experiência humana que nos antecede e poder falar dela com propriedade, quer dizer, como se fosse ‘própria’! Você vai precisar falar deste tema que ninguém decifrou ou compreendeu inteiramente: o Homem. Vai se deparar com o fato de ser responsável pela formação de homens sem saber exatamente o que significa isto e, pior, nunca saberá se sua tarefa foi cumprida, até porque formar um Homem é muito diferente de fabricar um objeto – cujo ‘resultado’ é palpável -, e nunca dependerá só de você. Mas deixe seu registro na alma de cada um deles: é justamente aqui onde você saberá a diferença entre ser ‘professor’ e ser ‘educador’: o primeiro pode ver resultados (a aprendizagem de uma equação por seus alunos, por exemplo), o segundo só pode ver e lançar sinais. Se optar por ser, além de professor, Educador, vai ter de se contentar com esses sinais: estimule-os e faça com que eles se transformem em Existência, que é mais do que simples Vida. A Existência envolve projetos, o que ainda não aconteceu, o que podemos esperar. Teus alunos te dirão, muito mais tarde, num eventual encontro, no quê aqueles sinais se transformaram.
Falei, acima, em encruzilhada. Lembre-se que encruzilhada pode nos perder se acharmos que há apenas um caminho que nos leva ao que queremos. Mas ela pode nos libertar, se formos capazes de ver múltiplos caminhos nela! Mas saiba que desde o início você estará condenado – por ser finito e ter aceitado uma tarefa infinita, e por ter se tornado ‘responsável do Mundo’ (H. Arendt)! É relativamente fácil ser um ‘bom professor’, mas até que chegue o dia de sua última aula, não saberá a resposta se foi, de fato, EDUCADOR. Porque não há resposta! De qualquer forma, já vejo em você a dignidade de ter aceitado ser ‘Responsável’.”
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